Já há mais jornalistas a contas com a justiça por causa do Freeport do que houve acusados por causa da queda da ponte de Entre-os-Rios. Isto diz muito sobre a escala de valores de quem nos governa.
Chegar aos 35 anos do 25 de Abril com nove jornalistas processados por notícias ou comentários com que o Chefe do Governo não concorda é um péssimo sinal. O Primeiro-ministro chegou ao absurdo de tentar processar um operador de câmara mostrando que, mais do que tudo, o objectivo deste frenesim litigante é intimidar todos os que trabalham na comunicação social independentemente das suas funções, para que não toquem na matéria proibida. Mas pode haver indícios ainda piores. Se os processos contra jornalistas avançarem mais depressa do que as investigações do Freeport, a mensagem será muito clara. O Estado dá o sinal de que a suspeita de haver membros de um governo passíveis de serem corrompidos tem menos importância do que questões de forma referentes a notícias sobre graves indícios de corrupção. Se isso acontecer é a prova de que o Estado, através do governo, foi capturado por uma filosofia ditatorial com métodos de condicionamento da opinião pública mais eficazes do que a censura no Estado Novo porque actua sob um disfarce de respeito pelas liberdades essenciais. Não havendo legislação censória está a tentar estabelecer-se uma clara distinção entre "bons" e "maus" órgãos de informação com advertências de que os "maus" serão punidos com inclemência. O Primeiro-ministro, nas declarações que transmitiu na TV do Estado, fez isso clara e repetidamente. Pródigo em elogios ad hominem a quem não o critica, crucifica quem transmite notícias que lhe são adversas. Estabeleceu, por exemplo, a diferença entre "bons jornalistas", os que ignoram o Freeport, e os "maus jornalistas" ou mesmo apenas só "os maus", os que o têm noticiado. Porque esses "maus" não são sequer jornalistas disse, quando num exercício de absurdo negou ter processado jornalistas e estar a litigar apenas contra os obreiros dos produtos informativos "travestidos" que o estavam a difamar. E foi num crescendo ameaçador que, na TV do Estado, o Chefe do Governo admoestou urbi et orbi que, por mais gritantes que sejam as dúvidas que persistem, colocar-lhe questões sobre o Freeport é "insultuoso", rematando com um ameaçador "Não é assim que me vencem". Portanto, não estamos face a um processo de apuramento de verdade. Estamos face a um combate entre noticiadores e noticiado, com o noticiado arvorando as armas e o poder que julga ter, a vaticinar uma derrota humilhante e sofrida aos noticiadores. Há um elemento que equivale a uma admissão de culpa do Primeiro-Ministro nas tentativas manipulatórias e de condicionamento brutal da opinião pública: a saída extemporânea de Fernanda Câncio de um painel fixo de debate na TVI sobre a actualidade nacional onde o Freeport tem sido discutido com saudável desassombro, apregoa a intolerância ao contraditório.
Assim, com uma intensa e pouco frequente combinação de arrogância, inabilidade e impreparação, com uma chuva de processos, o Primeiro Ministro do décimo sétimo governo constitucional fica indelevelmente colado à imagem da censura em Portugal, 35 anos depois de ela ter sido abolida no 25 de Abril.
Mário Crespo JN 27_04_2009
sexta-feira, 8 de maio de 2009
terça-feira, 17 de março de 2009
Freeport "Jornal Expresso"
Uma escuta telefónica de 17 minutos, feita a uma pessoa envolvida no caso Freeport, inclui uma afirmação que liga o alegado pagamento de 'luvas' em troca da aprovação do outlet ao primeiro-ministro, José Sócrates. A intercepção remonta a 9 de Fevereiro de 2005, dois dias após a abertura do inquérito pelo Ministério Público do Montijo, apurou o Expresso, depois de ter autorização do Tribunal Constitucional para consultar esta semana os oito volumes do processo de fuga de informação que condenou o inspector Elias Torrão, da Polícia Judiciária de Setúbal.
A passagem em forma de desabafo - "vão mas é chatear o Sócrates porque ele é que recebeu os 500 mil" - é descrita pela inspectora titular da investigação, Carla Gomes, durante uma inquirição. O processo paralelo do inspector Torrão dá conta ainda de que um conjunto de dados sobre o património de Sócrates foi enviado em 2006 para os autos da investigação ao Freeport.
A conversa interceptada a 9 de Fevereiro de 2005 surge também referida em duas ocasiões pela coordenadora da PJ de Setúbal, Maria Alice Fernandes, e aconteceu no mesmo dia em que a PJ montou seis buscas em vários pontos de Alcochete, nas vésperas de "O Independente" ter publicado, a 11 de Fevereiro, uma notícia em que referia o nome de Sócrates como fazendo parte da lista de suspeitos do caso. O que significa que a escuta já existia quando, na altura, a direcção nacional da PJ e a Procuradoria-Geral da República se apressaram a afirmar que Sócrates não constava do processo.
Em nenhuma das referências consultadas pelo Expresso vem quem é o suspeito sob escuta, sendo que o nome consta dos 9 volumes e 230 apensos do inquérito-crime do Freeport, ainda em segredo de justiça e ao qual o Expresso não teve acesso.
Numa acareação que confrontou Maria Alice com Torrão, a coordenadora acrescentou que a escuta foi ouvida em alta voz nas instalações da PJ de Setúbal na presença dela, de Carla Gomes, de Torrão e de mais três inspectores, "na qual o indivíduo interceptado revelava elementos importantes para a investigação".
Os depoimentos de Maria Alice para o processo de fuga de informação dão a entender que estiveram sob escuta nesse dia, pelo menos, indivíduos relacionados com a busca feita especificamente à Câmara de Alcochete.A coordenadora da PJ revelou que ela própria teve de se deslocar com urgência no final da manhã ao tribunal do Montijo para ser autorizada a incluir nas escutas um novo número, depois de a sua equipa ter concluído que o telemóvel do então presidente da autarquia, José Dias Inocêncio, estava desactivado.Dados sobre património
Outra das revelações que os oito volumes integrais do processo do inspector Torrão trazem é o facto de uma procuradora-adjunta do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa ter remetido para inclusão no processo-crime do Freeport um dossiê de 145 páginas que incluía "certidões registrais relativas à aquisição e venda de património por José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa e outros actos jurídicos relativos à sua vida privada", segundo consta de um despacho de 23 de Janeiro de 2006.
No ofício assinado pela procuradora Inês Bonina, lê-se que o dossiê de 145 páginas foi-lhe entregue uma semana antes pela coordenadora da PJ Maria Alice Fernandes. "A nosso ver, e após se ter procedido à sua leitura e análise, a referida documentação não se reveste de qualquer interesse para a presente investigação (sobre a fuga de informação), contudo, a sua pertinência para a investigação em curso no âmbito do NUIP 77/05.2JASTB (processo de corrupção do Freeport) deverá ser ponderada pelo Ministério Público".
Um dos argumentos usados nas inquirições por Maria Alice para não ter incluído antes, por sua iniciativa, a documentação relativa à vida privada de Sócrates no processo sobre corrupção prende-se com a tese de no inquérito aberto a 7 de Fevereiro de 2005 "apenas estarem em causa as relações entre a câmara municipal de Alcochete, o complexo Freeport e os serviços de consultadoria identificados no processo-crime e em relação aos quais foram pedidas as buscas".
Sócrates e o Freeport
9 de Fevereiro de 2005 Um suspeito interceptado fala de Sócrates ao telefone
11 de Fevereiro de 2005 Duas testemunhas referem conversas sobre Sócrates
30 de Janeiro de 2006 Dossiê sobre património de Sócrates é junto ao processo
3 de Março de 2006 'Luvas' a Sócrates são admitidas por Charles Smith num vídeo
22 de Janeiro de 2009 Busca a casa de tio de Sócrates
A passagem em forma de desabafo - "vão mas é chatear o Sócrates porque ele é que recebeu os 500 mil" - é descrita pela inspectora titular da investigação, Carla Gomes, durante uma inquirição. O processo paralelo do inspector Torrão dá conta ainda de que um conjunto de dados sobre o património de Sócrates foi enviado em 2006 para os autos da investigação ao Freeport.
A conversa interceptada a 9 de Fevereiro de 2005 surge também referida em duas ocasiões pela coordenadora da PJ de Setúbal, Maria Alice Fernandes, e aconteceu no mesmo dia em que a PJ montou seis buscas em vários pontos de Alcochete, nas vésperas de "O Independente" ter publicado, a 11 de Fevereiro, uma notícia em que referia o nome de Sócrates como fazendo parte da lista de suspeitos do caso. O que significa que a escuta já existia quando, na altura, a direcção nacional da PJ e a Procuradoria-Geral da República se apressaram a afirmar que Sócrates não constava do processo.
Em nenhuma das referências consultadas pelo Expresso vem quem é o suspeito sob escuta, sendo que o nome consta dos 9 volumes e 230 apensos do inquérito-crime do Freeport, ainda em segredo de justiça e ao qual o Expresso não teve acesso.
Numa acareação que confrontou Maria Alice com Torrão, a coordenadora acrescentou que a escuta foi ouvida em alta voz nas instalações da PJ de Setúbal na presença dela, de Carla Gomes, de Torrão e de mais três inspectores, "na qual o indivíduo interceptado revelava elementos importantes para a investigação".
Os depoimentos de Maria Alice para o processo de fuga de informação dão a entender que estiveram sob escuta nesse dia, pelo menos, indivíduos relacionados com a busca feita especificamente à Câmara de Alcochete.A coordenadora da PJ revelou que ela própria teve de se deslocar com urgência no final da manhã ao tribunal do Montijo para ser autorizada a incluir nas escutas um novo número, depois de a sua equipa ter concluído que o telemóvel do então presidente da autarquia, José Dias Inocêncio, estava desactivado.Dados sobre património
Outra das revelações que os oito volumes integrais do processo do inspector Torrão trazem é o facto de uma procuradora-adjunta do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa ter remetido para inclusão no processo-crime do Freeport um dossiê de 145 páginas que incluía "certidões registrais relativas à aquisição e venda de património por José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa e outros actos jurídicos relativos à sua vida privada", segundo consta de um despacho de 23 de Janeiro de 2006.
No ofício assinado pela procuradora Inês Bonina, lê-se que o dossiê de 145 páginas foi-lhe entregue uma semana antes pela coordenadora da PJ Maria Alice Fernandes. "A nosso ver, e após se ter procedido à sua leitura e análise, a referida documentação não se reveste de qualquer interesse para a presente investigação (sobre a fuga de informação), contudo, a sua pertinência para a investigação em curso no âmbito do NUIP 77/05.2JASTB (processo de corrupção do Freeport) deverá ser ponderada pelo Ministério Público".
Um dos argumentos usados nas inquirições por Maria Alice para não ter incluído antes, por sua iniciativa, a documentação relativa à vida privada de Sócrates no processo sobre corrupção prende-se com a tese de no inquérito aberto a 7 de Fevereiro de 2005 "apenas estarem em causa as relações entre a câmara municipal de Alcochete, o complexo Freeport e os serviços de consultadoria identificados no processo-crime e em relação aos quais foram pedidas as buscas".
Sócrates e o Freeport
9 de Fevereiro de 2005 Um suspeito interceptado fala de Sócrates ao telefone
11 de Fevereiro de 2005 Duas testemunhas referem conversas sobre Sócrates
30 de Janeiro de 2006 Dossiê sobre património de Sócrates é junto ao processo
3 de Março de 2006 'Luvas' a Sócrates são admitidas por Charles Smith num vídeo
22 de Janeiro de 2009 Busca a casa de tio de Sócrates
terça-feira, 10 de março de 2009
S´crates o ditador
"Mensagem recebida por email."
'Sócrates, o ditador' por António BarretoA saída de António Costa para a Câmara de Lisboa pode ser interpretada de muitas maneiras. Mas, se as intenções podem ser interessantes, os resultados é que contam. Entre estes, está o facto de o candidato à Autarquia se ter afastado do Governo e do Partido, o que deixa Sócrates praticamente sozinho à frente de um e de outro. Único senhor a bordo tem um mestre e uma inspiração. Com Guterres, o primeiro-ministro aprendeu a ambição pessoal, mas, contra ele, percebeu que a indecisão pode ser fatal, ao ponto de, com zelo, se exceder: Prefere decidir mal, mas rapidamente, do que adiar para estudar. Em Cavaco, colheu o desdém pelo seu partido. Com os dois e com a sua própria intuição autoritária, compreendeu que se pode governar sem políticos. Onde estão os políticos socialistas? Aqueles que conhecemos, cujas ideias pesaram alguma coisa e que são responsáveis pelo seu passado? Uns saneados, outros afastados. Uns reformaram-se da política, outros foram encostados. Uns foram promovidos ao céu, outros mudaram de profissão. Uns foram viajar, outros ganhar dinheiro. Uns desapareceram sem deixar vestígios, outros estão empregados nas empresas que dependem do Governo. Manuel Alegre resiste, mas já não conta. Medeiros Ferreira ensina e escreve. Jaime Gama preside sem poderes. João Cravinho emigrou. Jorge Coelho está a milhas de distância e vai dizendo, sem convicção, que o socialismo ainda existe. António Vitorino, eterno desejado, exerce a sua profissão. Almeida Santos justifica tudo. Freitas do Amaral reformou-se. Alberto Martins apagou-se. Mário Soares ocupa-se da globalização. Carlos César limitou-se definitivamente aos Açores. João Soares espera. Helena Roseta foi à sua vida independente. Os grandes autarcas do partido estão reduzidos à insignificância. O Grupo Parlamentar parece um jardim-escola sedado. Os sindicalistas quase não existem. O actual pensamento dos socialistas resume-se a uma lengalenga pragmática, justificativa e repetitiva sobre a inevitabilidade do governo e da luta contra o défice. O ideário contemporâneo dos socialistas portugueses é mais silencioso do que a meditação budista. Ainda por cima, Sócrates percebeu depressa que nunca o sentimento público esteve, como hoje, tão adverso e tão farto da política e dos políticos. Sem hesitar, apanhou a onda. Desengane-se quem pensa que as gafes dos ministros incomodam Sócrates. Não mais do que picadas de mosquito. As gafes entretêm a opinião, mobilizam a imprensa, distraem a oposição e ocupam o Parlamento. Mas nada de essencial está em causa. Os disparates de Manuel Pinho fazem rir toda a gente. As tontarias e a prestidigitação estatística de Mário Lino é pura diversão. Não se pense que a irrelevância da maior parte dos ministros, que nada têm a dizer para além dos seus assuntos técnicos, perturba o primeiro-ministro. É assim que ele os quer, como se fossem directores-gerais. «Só o problema da Universidade Independente e dos seus diplomas o incomodou realmente. Mas tratava-se, politicamente, de uma questão menor. Percebeu que as suas fragilidades podiam ser expostas e que nem tudo estava sob controlo. Mas nada de semelhante se repetirá. O estilo de Sócrates consolida-se. Autoritário, Crispado, Despótico, Irritado, Enervado, Detestando ser contrariado. Não admite perguntas que não estavam previstas ou antes combinadas. Pretende saber, sobre as pessoas, o que há para saber. Tem os seus sermões preparados todos os dias. Só ele faz política, ajudado por uma máquina poderosa de recolha de informações, de manipulação da imprensa, de propaganda e de encenação. O verdadeiro Sócrates está presente nos novos bilhetes de identidade, nas tentativas de Augusto Santos Silva de tutelar a imprensa livre, na teimosia descabelada de Mário Lino, na concentração das polícias sob seu mando e no processo que o Ministério da Educação abriu contra um funcionário que se exprimiu em privado. O estilo de Sócrates está vivo, por inteiro, no ambiente que se vive, feito já de medo e apreensão. A austeridade administrativa e orçamental ameaça a tranquilidade de cidadãos que sentem que a sua liberdade de expressão pode ser onerosa. A imprensa sabe o que tem de pagar para aceder à informação. As empresas conhecem as iras do Governo e fazem as contas ao que têm de fazer para ter acesso aos fundos e às autorizações. Sem partido que o incomode, sem ministros politicamente competentes e sem oposição à altura, Sócrates trata de si. Rodeado de adjuntos dispostos a tudo e com a benevolência de alguns interesses económicos, Sócrates governa. Com uma maioria dócil, uma oposição desorientada e um rol de secretários de Estado zelosos, ocupa eficientemente, como nunca nas últimas décadas, a Administração Pública e os cargos dirigentes do Estado. Nomeia e saneia a bel-prazer. Há quem diga que o vamos ter durante mais uns anos. É possível. Mas não é boa notícia. É sinal da impotência da oposição. De incompetência da sociedade. De fraqueza das organizações. E da falta de carinho dos portugueses pela liberdade.
Foi assim que António Barreto fez o retrato de Sócrates
'Sócrates, o ditador' por António BarretoA saída de António Costa para a Câmara de Lisboa pode ser interpretada de muitas maneiras. Mas, se as intenções podem ser interessantes, os resultados é que contam. Entre estes, está o facto de o candidato à Autarquia se ter afastado do Governo e do Partido, o que deixa Sócrates praticamente sozinho à frente de um e de outro. Único senhor a bordo tem um mestre e uma inspiração. Com Guterres, o primeiro-ministro aprendeu a ambição pessoal, mas, contra ele, percebeu que a indecisão pode ser fatal, ao ponto de, com zelo, se exceder: Prefere decidir mal, mas rapidamente, do que adiar para estudar. Em Cavaco, colheu o desdém pelo seu partido. Com os dois e com a sua própria intuição autoritária, compreendeu que se pode governar sem políticos. Onde estão os políticos socialistas? Aqueles que conhecemos, cujas ideias pesaram alguma coisa e que são responsáveis pelo seu passado? Uns saneados, outros afastados. Uns reformaram-se da política, outros foram encostados. Uns foram promovidos ao céu, outros mudaram de profissão. Uns foram viajar, outros ganhar dinheiro. Uns desapareceram sem deixar vestígios, outros estão empregados nas empresas que dependem do Governo. Manuel Alegre resiste, mas já não conta. Medeiros Ferreira ensina e escreve. Jaime Gama preside sem poderes. João Cravinho emigrou. Jorge Coelho está a milhas de distância e vai dizendo, sem convicção, que o socialismo ainda existe. António Vitorino, eterno desejado, exerce a sua profissão. Almeida Santos justifica tudo. Freitas do Amaral reformou-se. Alberto Martins apagou-se. Mário Soares ocupa-se da globalização. Carlos César limitou-se definitivamente aos Açores. João Soares espera. Helena Roseta foi à sua vida independente. Os grandes autarcas do partido estão reduzidos à insignificância. O Grupo Parlamentar parece um jardim-escola sedado. Os sindicalistas quase não existem. O actual pensamento dos socialistas resume-se a uma lengalenga pragmática, justificativa e repetitiva sobre a inevitabilidade do governo e da luta contra o défice. O ideário contemporâneo dos socialistas portugueses é mais silencioso do que a meditação budista. Ainda por cima, Sócrates percebeu depressa que nunca o sentimento público esteve, como hoje, tão adverso e tão farto da política e dos políticos. Sem hesitar, apanhou a onda. Desengane-se quem pensa que as gafes dos ministros incomodam Sócrates. Não mais do que picadas de mosquito. As gafes entretêm a opinião, mobilizam a imprensa, distraem a oposição e ocupam o Parlamento. Mas nada de essencial está em causa. Os disparates de Manuel Pinho fazem rir toda a gente. As tontarias e a prestidigitação estatística de Mário Lino é pura diversão. Não se pense que a irrelevância da maior parte dos ministros, que nada têm a dizer para além dos seus assuntos técnicos, perturba o primeiro-ministro. É assim que ele os quer, como se fossem directores-gerais. «Só o problema da Universidade Independente e dos seus diplomas o incomodou realmente. Mas tratava-se, politicamente, de uma questão menor. Percebeu que as suas fragilidades podiam ser expostas e que nem tudo estava sob controlo. Mas nada de semelhante se repetirá. O estilo de Sócrates consolida-se. Autoritário, Crispado, Despótico, Irritado, Enervado, Detestando ser contrariado. Não admite perguntas que não estavam previstas ou antes combinadas. Pretende saber, sobre as pessoas, o que há para saber. Tem os seus sermões preparados todos os dias. Só ele faz política, ajudado por uma máquina poderosa de recolha de informações, de manipulação da imprensa, de propaganda e de encenação. O verdadeiro Sócrates está presente nos novos bilhetes de identidade, nas tentativas de Augusto Santos Silva de tutelar a imprensa livre, na teimosia descabelada de Mário Lino, na concentração das polícias sob seu mando e no processo que o Ministério da Educação abriu contra um funcionário que se exprimiu em privado. O estilo de Sócrates está vivo, por inteiro, no ambiente que se vive, feito já de medo e apreensão. A austeridade administrativa e orçamental ameaça a tranquilidade de cidadãos que sentem que a sua liberdade de expressão pode ser onerosa. A imprensa sabe o que tem de pagar para aceder à informação. As empresas conhecem as iras do Governo e fazem as contas ao que têm de fazer para ter acesso aos fundos e às autorizações. Sem partido que o incomode, sem ministros politicamente competentes e sem oposição à altura, Sócrates trata de si. Rodeado de adjuntos dispostos a tudo e com a benevolência de alguns interesses económicos, Sócrates governa. Com uma maioria dócil, uma oposição desorientada e um rol de secretários de Estado zelosos, ocupa eficientemente, como nunca nas últimas décadas, a Administração Pública e os cargos dirigentes do Estado. Nomeia e saneia a bel-prazer. Há quem diga que o vamos ter durante mais uns anos. É possível. Mas não é boa notícia. É sinal da impotência da oposição. De incompetência da sociedade. De fraqueza das organizações. E da falta de carinho dos portugueses pela liberdade.
Foi assim que António Barreto fez o retrato de Sócrates
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